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terça-feira, 26 de outubro de 2010

ORDENAMENTO JURÍDICO A PARTIR DA ANÁLISE DA TEORIA DAS MASSAS DE FREUD

Esequiel Santos **


“Quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação”

(Mário Quintana)

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Artigo apresentado em outubro de 2010, como requisito da disciplina Freud Como Teórico da Modernidade Bloqueada, no Curso de Pós-Graduação em Filosofia e Psicanálise, pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

**Esequiel Santos – Biólogo graduado pela UFES – Universidade Federal do Espírito Santo, pós-graduado em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais pela Universidade Federal de Lavras-MG e pós-graduando em Filosofia e Psicanálise, pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. E-mail: esequielsantos@veloxmail.com.br


RESUMO/ABSTRACT

O artigo atenta para o processo de constituição dos ordenamentos jurídicos nas nações democráticas, realiza uma análise a partir das políticas freudianas e discute a tese de que as leis se estabeleceram a partir da internalização de um supereu coletivo definido por Freud como reminiscência da submissão ao pai primevo e que foi denominado de Estado pela Ciência Jurídica.

Palavras-chave: Ordenamento Jurídico; Psicologia das Massas; Família; Supereu; Direito; Estado


The article refers to the process of formation of legal systems in democratic nations, an analysis of policies from Freudian and discusses the thesis that the laws were established from the internalization of a collective superego defined by Freud as reminiscent of the submission to the father primeval and has been named by the State Legal Science.

Keywords: Legal System; Mass Psychology, the Family, Superego; law; State

1.INTRODUÇÃO

O ser humano necessita da vida social, pois não seria possível a vida isolada de seus semelhantes. É no meio social que o Homem busca incessantemente a satisfação de suas necessidades, seus ideais e até mesmo seus amores; portanto, na busca incessante de tais conquistas encontra resistências, surgindo assim, os conflitos sociais. No convívio social a ciência jurídica se faz necessária e indispensável, uma vez que as normas jurídicas direcionam a ação Humana para o justo e o correto, evitando a formação de uma sociedade conflituosa e impondo aos cidadãos um convívio social pacífico, dando a cada um o que lhe pertence.

Batalha(1991), conceitua direito como: “objeto cultural, é apresentado como disciplina normativa heterônoma da vida exterior e relacional dos homens, bilateral, imperativo-atributiva, dotada de validade, eficácia e coercibilidade, que tende à realização dos valores da justiça, segurança e bem comum em uma sociedade organizada”.

Silva(2008), escreve que: “chamamos de norma jurídica ou lei a regra de conduta social, aceita pela sociedade como diretriz comportamental, mas que o Estado, no exercício do seu poder legislativo, ou seja, de criar leis, consolidou ou eternizou na forma expressa e escrita, dando à ela conhecimento público e conseqüentemente tornando-a obrigatória. A norma jurídica é a célula formadora do ordenamento jurídico brasileiro, impondo à sociedade uma conduta, mínima, de comportamento esperado de cada cidadão. Como se vê, a norma jurídica ou lei emana da sociedade e assim resguarda em seu texto valores sociais imprescindíveis, tanto que foram elevados à condição de norma jurídica. Recebe a partir de então a tutela estatal, a proteção e a força do estado, obrigando o seu atendimento”.

O estudo do ordenamento jurídico das nações é importante porque esclarece não somente suas origens, mas sobretudo a evolução do pensamento nas sociedades modernas.

Pretende-se realizar uma revisão bibliográfica e discutir a relação do ordenamento jurídico das nações analisado a partir das políticas freudianas, objetivando discutir a tese de que as leis se estabelecem a partir da internalização de um supereu coletivo que nada mais é do que reminiscência da submissão ao pai primevo na visão Freudiana, denominado de Estado pela Ciência Jurídica.

2.DESENVOLVIMENTO

Em seu texto Psicologia das Massas e a Análise do eu, Freud(1999), discorrendo sobre a psicologia individual e a psicologia social do indivíduo afirmou que quando se fala de psicologia social ou de grupo, costuma-se deixar essas relações de lado e isolar como tema de indagação o influenciamento de um indivíduo por um grande número de pessoas simultaneamente, pessoas com quem se acha ligado por algo, embora, sob outros aspectos e em muitos respeitos, possam ser-lhe estranhas. A psicologia de grupo interessa-se assim pelo indivíduo como membro de uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma instituição, ou como parte componente de uma multidão de pessoas que se organizaram em grupo, numa ocasião determinada, para um intuito definido. As relações de um indivíduo com os pais, com os irmãos e irmãs, com o objeto de seu amor e com seu médico, na realidade, todas as relações que até o presente constituíram o principal tema da pesquisa psicanalítica, podem reivindicar serem consideradas como fenômenos sociais, e, com respeito a isso, podem ser postas em contraste com certos outros processos, por nós descritos como ‘narcisistas’, nos quais a satisfação dos instintos é parcial ou totalmente retirada da influência de outras pessoas. Dirige-se, assim, para duas outras possibilidades: que o instinto social talvez não seja um instinto primitivo, insuscetível de dissociação, e que seja possível descobrir os primórdios de sua evolução num círculo mais estreito, tal como o da família.

Para propor sua teoria das massas, Freud utilizou as definições de Auguste Le Bon: “A peculiaridade mais notável apresentada por um grupo psicológico é a seguinte: sejam quem forem os indivíduos que o compõem, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seu modo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo coloca-os na posse de uma espécie de mente coletiva que os faz sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de isolamento. Há certas idéias e sentimentos que não surgem ou que não se transformam em atos, exceto no caso de indivíduos que formam um grupo. O grupo psicológico é um ser provisório, formado por elementos heterogêneos que por um momento se combinam, exatamente como as células que constituem um corpo vivo, formam, por sua reunião, um novo ser que apresenta características muito diferentes daquelas possuídas por cada uma das células isoladamente.” Ele conclui que se os indivíduos do grupo se combinam numa unidade, deve haver certamente algo para uni-los, e esse elo poderia ser precisamente a coisa que é característica de um grupo.

Ainda citando Le Bon, Freud descreve que os fenômenos inconscientes desempenham papel inteiramente preponderante não apenas na vida orgânica, mas também nas operações da inteligência. A vida consciente da mente é de pequena importância, em comparação com sua vida inconsciente. Nossos atos conscientes são o produto de um substrato inconsciente criado na mente, principalmente por influências hereditárias. Esse substrato consiste nas inumeráveis características comuns, transmitidas de geração a geração, que constituem o gênio de uma raça.

Le Bon pensa que os dotes particulares dos indivíduos se apagam num grupo e que, dessa maneira, sua distintividade se desvanece. O inconsciente racial emerge; o que é heterogêneo submerge no que é homogêneo. Como diríamos nós, a superestrutura mental, cujo desenvolvimento nos indivíduos apresenta tais dessemelhanças, é removida, e as funções inconscientes, que são semelhantes em todos, ficam expostas à vista.

A partir desses fundamentos, Freud busca explicar a natureza dos vínculos sociais em sociedades de massa. Procura compreender por que o comportamento individual é absolutamente distinto do comportamento dos indivíduos no interior das massas.

Ele define as massas como: “seria uma reviviscência da horda originária. Da mesma forma que o homem das origens preservou-se virtualmente em cada indivíduo isolado, a horda originária pode ser novamente produzida a partir de qualquer agregado humano.”

Para sustentar sua tese de que há uma certa regressão que estaria inscrita na organização social das sociedades modernas de massa, Freud irá mobilizar uma teoria das identificações anteriormente usada para descrever o processo geral de constituição do Eu. Para se formar, o Eu deve se identificar com tipos e figuras ideais que me explicam como desejar, agir e julgar. Identificar é « fazer como », aprender a agir através de modelos.

Assim, o Eu será uma espécie de colcha de retalhos onde várias identificações deixam suas marcas no interior de um processo histórico de maturação subjetiva.

A teoria das massas fora desenvolvida para descrever o advento de processos sociais irracionais que poderiam levar à regressão social. Na visão Freudiana ela é usada para expor o cerne de duas instituições que servem de modelo para a organização social das instituições modernas, a saber, o exército e a igreja. Pretendeu demonstrar como as identificações que ocorrem no exército e na igreja mostram claramente o que acontece no comportamento das massas. Nas massas, tal como no exército e na igreja, os indivíduos internalizariam um mesmo supereu advindo da figura do líder. Estas instituições demonstram, de maneira mais clara, o que só pode aparecer nas massas espontâneas de maneira “mais camuflada”. Como se a psicologia das massas fosse, ao mesmo tempo, uma psicologia das instituições.

Freud, através de sua teoria do supereu enquanto teoria dos modos de inflexão individual da norma, sempre insiste em que a aquiescência à norma e à obrigação social nunca é dissociável de uma experiência de culpabilidade que nos remete a representações carregadas de conflitos e ambivalências psíquicas.

Com sua teoria do supereu, Freud procura insistir que tal fundação é sempre fantasmática. A autoridade que garante a força da lei ou antes, a consciência da autoridade da lei não é autônoma em relação à produção social de representações imaginárias da força presente em instituições sociais, em especial, na família.

Esta fundação fantasmática faz com que a vida social não seja estruturada através de regras potencialmente enunciadas pelo ordenamento jurídico, mas por fantasias que determinam a significação e os modos de aplicação de injunções que têm força de lei. Este seria o resultado de admitir que aquilo que procura ter validade categória e incondicional para nós é indissociável de sua gênese empírica ou, se quisermos, de sua gênese psicológica.

No plano mítico, para aliviar o peso da consciência da responsabilidade e da dor do remorso pelo ato cometido, os irmãos, além de se obrigarem a solidificar os vínculos entre si, reduzindo a rivalidade, converterão em lei a vontade paterna. Nesse sentido, a psicanálise denuncia a presença de um pai mítico evidente nos discursos de fundamentação do pensamento jurídico moderno, uma vontade paterna manifestada na forma da razão e da interdição dos desejos, uma sociedade, enfim, de ordem e repressão.

Na visão de Freud, então, o ordenamento jurídico de uma nação se formaria a partir da dessubjetivação contidos no discurso que vai do sujeito ao sujeito, na medida em que apenas se é sujeito para ser súdito, para obedecer à voz normalizante do pai primevo.

Para ser reconhecido como sujeito e como objeto de amor no interior da esfera familiar, faz-se necessário que o sujeito se identifique exatamente com aquele que sustenta uma lei repressora em relação às exigências pulsionais. Para ser reconhecido como sujeito, a criança deve abrir mão de certos desejos e saber hierarquizar suas pulsões a partir de uma vontade relativamente unitária. Ela deve aprender a « agir como » uma autoridade paterna dotada de força de coerção. O resultado é a internalização psíquica de uma “instância moral de observação”, no caso o supereu derivado da identificação com os pais e outras representações de autoridade. A internalização da lei parental através do supereu é, para Freud, signo sempre legível de uma demanda de amor: saber-se objeto amado por um Outro, saber-se potencialmente protegido por alguém a quem reconhece certa força tem, para o sujeito, o valor da anulação de uma posição existencial de pura contingência.

Hans Kelsen, jurista austríaco, discordando das idéias de Freud afirmou que a reflexão de Freud não poderia ser aplicada à análise do ordenamento jurídico de estados democráticos modernos, que não seria correto utilizar o exército e a igreja como modelos do funcionamento de sociedades democráticas. Nesse sentido, a teoria freudiana era útil principalmente para identificar os desvios possíveis em relação a um modelo de coerção jurídica baseado na cidadania conquistada.

A respeito desse assunto, relata Barros(2000) que o Direito tem como seu fundamento uma norma fundamental: deverás obedecer... essa norma não é uma norma escrita, ela é pressuposta, um postulado e pressupõe a existência de uma autoridade imaginária, com o poder de autorizar a obediência às leis. Todos os ordenamentos têm uma estrutura hierárquica. No topo da pirâmide, a norma fundamental a autorizar a produção de normas genéricas que, por sua vez, se desdobrariam em normas mais específicas.

A norma fundamental é uma ficção jurídica. Torna-se necessário entender que a ficção se diferencia de uma hipótese, pois não pode ser verificada. É um recurso que se serve o pensamento, um lugar temporário onde ele se detém para alcançar o papel que cumpre em si mesmo. E afirma que Kelsen, para explicar a norma fundamental, lança um exemplo, dentro da estrutura familiar, em que fica claro que o fundamento se funda em um terreno que não é próprio do campo Jurídico. É utilizado por ele exemplos que traduzem a realidade familiar, comparando o Ordenamento Jurídico à estrutura do Ordenamento Familiar, sempre supondo ao pai o poder normativo constituinte. Durante o percurso de sua obra, a autoridade imaginária, com o poder de ordenar a obrigação da obediência, foi sempre referida à figura paterna, ou seja, a uma metáfora do pai, representada por Deus, o Papa, o Rei ou o próprio pai, como o exemplo firmado por Kelsen, numa analogia. Ao tentar resolver o problema do fundamento de validez da norma, indica a autoridade imaginária capaz de obrigar à obediência ao deter temporariamente seu, pensamento na figura do pai - uma ficção Kelsiana, sustentando a teoria pura do Direito.

Barros(2000), postulou que em todos os ordenamentos, a autoridade normativa superior capaz de determinar a norma fundamental sempre foi, em analogia, aproximada da figura paterna. "Como se" fosse o pai de família. A autoridade imaginária sempre foi apresentada como uma metáfora do pai, seja Deus, o Estado ou o próprio pai. A transmissão da obediência à lei ocorre na base da civilização, passa de pai para filho, na família, estrutura inabalável que conjuga autoridade e amor, e o pai tem uma papel central neste complexo... isso que chamamos de pai... que não necessariamente coincide com o corpo do pai, mas com o exercício de sua função.

Barros(2000) conclui que esta estrutura é que confere legitimidade ao Ordenamento Jurídico. Mas o que é um Ordenamento? Um Ordenamento é um conjunto de normas articuladas em um texto, chamado texto jurídico. Para que um texto funcione é preciso crer nele. Crer na lei é obedecê-la, é crer no texto. Fazer crer é a grande arte do poder. O fundamento de toda lei encontra-se na fé dos homens, no poder da sua crença. Crer num Ordenamento outorga legitimidade a ele e o faz operar socialmente.

O discurso jurídico é o discurso do poder por excelência e o Direito se revela como a mais antiga ciência para dominar e fazer marchar a humanidade. Dominar e marchar segundo as técnicas de fazer crer. As técnicas de fazer crer manejam as crenças, a partir da indicação de um objeto que assegure, de forma imaginária, uma estrutura que ampare e proteja e, por isso, tem a legitimidade e o poder de ordenar. Esse objeto oferecido é uma palavra que, ordenada em um texto, no caso o texto jurídico, promove a crença na estrutura jurídica, instituindo a garantia de segurança e ordem.

O Estado também é uma ficção, não tem corpo, não tem autor, é uma idéia-força que lhe dá autoridade. A materialidade do Estado se faz através do seu corpo de normas, do qual cada governo retira a palavra que garanta uma certa ideologia. Freud aproxima o Estado (ideal do eu) à autoridade paterna e nos diz que o grupo deseja ser governado pela força irrestrita e possui uma paixão extrema pela autoridade. O pai primevo é o ideal do grupo que dirige o eu no lugar do ideal do eu.

3.CONCLUSÃO

Sem a pretensão de esgotar o tema, buscou-se discutir a relação das fontes do direito e os meios pelos quais se formam as regras jurídicas. Concluí-se que embora o Estado seja aquele que “vigia” o cidadão para manter a ordem, podendo usar a força para isso, é bem visto tendo em vista que simbolizaria o pai protetor e provedor nas hordas primitivas. Portanto, para uma análise detalhada do arcabouço jurídico de um país, se faz necessário estudar os processos de maturação dos indivíduos no convívio das famílias.



Bibliografia

FREUD, Sigmund; Totem e tabu, Frankfurt, Fischer, 1999

_____; A psicologia das massas e a análise do eu, Frankfurt, Fischer, 1999

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1991

SILVA, Marcelo Salles da. Introdução ao Direito. São Paulo: Apostila do Curso de Ciências Contábeis, UNISA, 2008

BARROS, Fernanda Otoni de; Do direito ao pai: sobre a paternidade no ordenamento jurídico .[online] Disponível em: < www.gontijo-familia.adv.br/novo/artigos_pdf/Fernanda.../DireitoPai.pdf > Acesso em: 18 out 2010.



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